A recente decisão judicial que suspendeu uma plataforma online que oferecia petições jurídicas geradas por inteligência artificial (IA) por R$ 19,90, traz à tona um debate relevante sobre os limites da automação e a proteção das profissões regulamentadas. A medida, que atendeu a um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, foi tomada após a alegação de que a prática configurava o exercício ilegal da advocacia. Este caso desperta reflexões sobre os impactos das novas tecnologias nas áreas reguladas e o papel das instituições jurídicas na proteção dos direitos dos cidadãos.
A evolução das ferramentas baseadas em IA tem transformado diversos setores, incluindo o jurídico. No entanto, quando essas tecnologias começam a ser aplicadas em áreas sensíveis, como a elaboração de petições e documentos legais, surgem questionamentos sobre sua legalidade e ética. No caso específico da plataforma suspensa, o serviço oferecido era de criação automática de petições, que poderiam ser adquiridas por um valor baixo e sem a necessidade de um advogado. A decisão da Justiça, portanto, não só reflete a preocupação com a qualidade dos serviços prestados, mas também com a preservação da função essencial da advocacia.
O exercício da advocacia no Brasil é regulado por uma série de normas e requer a qualificação e a inscrição na OAB para que os profissionais possam atuar legalmente. Quando uma plataforma automatizada oferece documentos legais sem o envolvimento de advogados qualificados, ela coloca em risco a integridade do sistema jurídico, além de prejudicar a relação de confiança entre o cliente e o advogado. A decisão de suspender esse tipo de prática é, portanto, um passo importante para garantir que apenas profissionais devidamente habilitados possam fornecer esses serviços essenciais.
Além da questão legal, há também uma preocupação com a qualidade e precisão dos serviços prestados por plataformas automatizadas. Embora a IA seja capaz de gerar textos com grande velocidade, ela ainda carece da capacidade de interpretar nuances e contextos específicos que são fundamentais em muitos casos jurídicos. Uma petição mal elaborada ou inadequada pode comprometer a defesa de um cliente e até levar a perdas financeiras ou jurídicas graves. Nesse contexto, a atuação humana permanece insubstituível, principalmente em casos que exigem análise aprofundada e raciocínio crítico.
Outro aspecto relevante é o impacto que a automação pode ter na economia do setor jurídico. O uso indiscriminado de IA para substituir a prática profissional pode resultar na diminuição da demanda por advogados, especialmente aqueles em início de carreira. Isso gera um desequilíbrio no mercado de trabalho, afetando a sustentabilidade das escritórios de advocacia e, em última instância, prejudicando os profissionais da área. A regulação de ferramentas tecnológicas no direito é, portanto, uma medida não apenas para proteger a qualidade dos serviços, mas também para assegurar a sustentabilidade econômica da profissão.
A decisão da Justiça também pode servir de alerta para outras plataformas que utilizam tecnologias similares em diversos setores. O uso de IA para a criação de documentos legais não é um fenômeno isolado e pode se expandir para outras áreas, como contratos, defesas e até mesmo litígios. Por isso, a fiscalização e a regulamentação devem ser parte de um processo contínuo, para que novas soluções tecnológicas possam ser usadas de maneira ética e dentro dos limites estabelecidos pela legislação. Isso garante que a inovação não prejudique a integridade de sistemas essenciais para a sociedade.
A OAB, como guardiã da legalidade e da ética na prática jurídica, tem um papel crucial na adaptação da profissão às novas tecnologias. No entanto, também é necessário um diálogo mais amplo entre as entidades reguladoras, os desenvolvedores de IA e os profissionais da área para que soluções inovadoras possam ser implementadas sem comprometer a qualidade dos serviços prestados. A parceria entre tecnologia e profissão pode trazer benefícios, mas deve ser feita com cautela e respeito às normas estabelecidas.
Por fim, a suspensão da plataforma que vendia petições criadas por IA demonstra que a legislação brasileira está atenta aos desafios impostos pelas inovações tecnológicas. Este caso serve como precedente para futuras ações em outras áreas que possam ser impactadas pela automação, oferecendo um exemplo de como a Justiça pode agir para proteger tanto os direitos dos cidadãos quanto as profissões regulamentadas. A reflexão sobre o uso da tecnologia no direito está apenas começando, e é importante que ela seja conduzida de forma responsável e equilibrada para garantir que os avanços não coloquem em risco a confiança e a eficácia do sistema jurídico.
Autor : Mondchet Thonytom